quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A origem do Drácula


 Herói e tirano, destruidor dos turcos, algoz de seu próprio povo, líder impiedoso. Conheça as muitas faces de Vlad Drácula, o príncipe romeno do século 15 que emprestou seu nome às lendas de vampiros. 

 A cena é horripilante, sem dúvida, mas até um cego, incapaz de vê-la, conseguiria sentir a dimensão da atrocidade perpetrada ali. Ou melhor, farejá-la: 20 mil corpos humanos apodrecem ou agonizam diante da cidadela abandonada, uma floresta de empalados capaz de aterrorizar até o líder do maior império do planeta. O sultão turco Mehmed II, conquistador de Constantinopla e veterano de muitas guerras, diz para quem quiser ouvir que não é possível enfrentar um inimigo que se dispõe a tal ato. Deixa o comando de seu exército e volta para a segurança de seu harém. Esse inimigo implacável, que no século 15 deteve o avanço do Império Otomano (turco), envergava com orgulho uma alcunha hoje mundialmente famosa: Drácula. Ele era Vlad III da Valáquia, embora seus conterrâneos e inimigos tenham usado também o sinistro apelido de Tepes, “o Empalador”, em romeno. Por uma série de acasos literários, esse príncipe virou sinônimo de vampiro sem ter nenhuma ligação com as criaturas da noite, mas o verdadeiro caráter do Empalador é quase tão misterioso quanto os desses seres: herói nacional, tirano sanguinário ou uma mistura improvável das duas coisas? Talvez a resposta para o dilema seja difícil de achar porque Vlad viveu num dos períodos (e lugares) mais complicados da história européia. A região que mais tarde se transformaria na Romênia não passava de um aglomerado confuso de principados minúsculos, esmagados entre gigantes. A noroeste, havia o Sacro Império Romano-Germânico, senhor da Alemanha e da Itália e maior potência da Europa Ocidental. Em torno de si (como num abraço mortal), o reino da Hungria começava a ter papel preponderante como campeão da cristandade contra a ameaça turca, ao sul, onde o Império Otomano reduzira os mil anos de poderio Bizantino a um território nanico na Grécia e no Bósforo, onde Constantinopla ainda resistia heroicamente – mas não por muito tempo. Com tantos grandes brigando entre si, povos mais fracos às vezes conseguiam um espaço para respirar e tentar a independência. Foi o que ocorreu com os ancestrais dos romenos, diferentes de todos os outros povos dos Bálcãs por falarem uma língua latina, assim como o português, herança da antiga colonização romana. A Valáquia, no sul da atual Romênia, escapou do domínio húngaro e passou a ser governada por Besarab, o Grande, em 1330. Dele descendia Mircea cel Batrin (ou Mircea, o Velho), avô de Drácula e príncipe dos valacos de 1386 a 1418. O novo país parecia consolidado, mas bastou que Mircea morresse para que seu filho Vlad tivesse de enfrentar a rebelião de seu primo Dan, apoiado pelos boiardos (os nobres do país). Dan proclamou-se voivoda (príncipe) e Vlad teve de se retirar para a Transilvânia (então parte do território húngaro). Foi lá que nasceram seus três filhos (Mircea, Vlad e Radu) na cidade de Sighisoara – aliás, essa é a única verdadeira associação do futuro Empalador com a famigerada Transilvânia, já que ele nunca foi conde do lugar. Acredita-se que Vlad filho veio ao mundo em 1431 – ano em que o famoso apelido do príncipe valaco teve sua origem. O imperador germânico Sigismundo convocou Vlad, o pai ,a Nuremberg e nomeou-e para a Ordem do Dragão – um grupo de cavaleiros dedicados à defesa do imperador e da cristandade contra a ameaça turca. Vlad parece ter gostado tanto da honraria que adotou o título de Dracul, “o Dragão” (“drac” é dragão em romeno, enquanto “ul” equivale ao nosso “o”). Quando adulto, seu filho do meio também entrou para a Ordem do Dragão e se tornou Draculea ou Drácula – “Filho do Dragão”. Há quem acredite que o termo também tem a conotação de “demônio” em romeno, mas o fato é que, pelo menos no nome, ambos os “Vlads” (pai e filho) eram guerreiros de Cristo. Em 1436, Vlad Dracul (o pai) conspirou para assassinar Alexandru I, o governante dos Danesti (a facção de Dan), e tornou-se Vlad II da Valáquia. Apesar de seu juramento de fidelidade à Ordem do Dragão, Vlad Dracul logo percebeu que aquela não era a hora de bancar o cruzado. Os turcos estavam cada vez mais poderosos e, numa tentativa de apaziguá-los e conseguir um pouquinho de independência, ele foi obrigado a enviar Vlad (o filho) e Radu como reféns para as terras do sultão. Os dois meninos passaram sete anos entre os turcos. Quando o sultão finalmente decidiu liberar os dois, em 1448, só o mais velho, Vlad, escolheu voltar à Valáquia. Não foi uma boa idéia: ao chegar em casa, ele descobriu que seu pai e seu irmão Mircea (herdeiro do trono) tinham sido assassinados pelos rebeldes boiardos, que decidiram apoiar um Danesti. Seguiu-se um luta pelo poder e, por alguns meses, o jovem príncipe conseguiu se apoderar do trono, tonando-se Vlad III. No entanto, um golpe com o apoio dos húngaros o tirou do poder. Os vizinhos não gostavam nada da política de apaziguamento do pai de Drácula em relação aos turcos e colocaram em seu lugar um vassalo do rei húngaro. Na ponta da estaca Todos os relatos que ainda existem sobre o reinado de Drácula parecem concordar num ponto: o príncipe tinha uma fascinação macabra por empalamentos. Esse método de execução e tortura prolongada envolvia o uso de uma estaca de madeira – de preferência não muito afiada e embebida em óleo, para não matar a vítima de cara, podia espetar a pessoa diretamente no abdome ou pregar bebês ao peito das próprias mães, por exemplo. De um jeito ou de outro, o fato é que a coisa doía – e demorava. Conta-se que, quando não podia praticar esse esporte com seres humanos, Drácula contentava-se com pássaros e ratos. Provavelmente, esse é o mais inegável dos aspectos negativos do príncipe: “Na história romena, Vlad sempre é chamado de Empalador”, diz Elizabeth Miller. “O nome vem do turco kaziklu bey, ‘príncipe empalador’, expressão empregada pelos cronistas turcos dos séculos 15 e 16. Mas o apelido dá uma idéia do medo que ele causava em seus inimigos, e acabou adotado pelos conterrâneos dele.” Segundo Elizabeth, ao assumir o trono, Vlad reuniu todos os nobres numa festa e perguntou quantos príncipes valacos haviam reinado durante a vida deles. Ninguém ali tinha visto menos de sete voivodas no trono. E Vlad teria dito: eu serei o último que verão. “Ele mandou empalar os mais velhos e fez com que os mais jovens e fortes trabalhassem na construção de uma nova fortaleza perto de Tirgoviste, a capital valaca”, diz. Vlad III fugiu para a Transilvânia como fizera seu pai, e foi preso pelo rei húngaro Matias Corvino. Gradualmente, no entanto, Drácula ganhou a confiança do soberano. Ele se casou com uma nobre húngara ligada à família real e, de forma surpreendentemente diplomática, converteu-se ao catolicismo romano (ele sempre fora ortodoxo). A essa altura, Vlad já sofria com um problema familiar à nobreza moderna: a imprensa sensacionalista. Entre os primeiros textos impressos na Europa já estavam panfletos em alemão que celebravam (ou melhor, denegriam) os feitos do voivoda, com manchetes do tipo “A Assustadora e Extraordinária História do Cruel Tirano Bebedor de Sangue Chamado Príncipe Drácula”.

 Para saber mais: Dracula, Elizabeth Miller, Parkstone Press, 2000

1 comentários:

Marivan Oliveira disse...

Olá Valter,

Quero te adicionar ao meu grupo de amizade aqui no Dihitt,
tbm te dou as boas-vindas
passei a seguir suas noticias,
muita sorte pra vc na divulgação do seu Blog,
abçs Marivan

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