quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A fuga de criminosos nazistas para a Argentina de Perón

Espero que gostem...


Resumo
            Neste artigo busca-se estudar o envolvimento do governo argentino de Juan Domingo Perón, com fugitivos de guerra nazistas, procurados por crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, tendo em vista que o governo de Perón tenha cedido “asilo político” e sido conivente com as atrocidades praticadas por oficiais nazistas durante o Holocausto, tais como deportações, assassinatos em massa e perseguições contra judeus, comunistas, ciganos, etc. Será abordado neste artigo a participação do governo argentino na elaboração das rotas de fuga para facilitar a entrada de oficiais nazistas procurados em território argentino, sem o consentimento do governo das potências vitoriosas na Segunda Guerra Mundial, tais como Estados Unidos, França, Inglaterra e União Soviética. 
            Oficiais alemães como Josef Mengele, Adolf Eichmann, Gerhard Bohne e Josef Schwammberger foram julgados e condenados à revelia, mas fugiram das autoridades internacionais com a ajuda do governo de Perón.
Palavras-chave: Nazismo. Argentina. Rotas de fuga.

Abstract
           This article seeks to study the involvement of the Argentine government of Juan Domingo Peron, Nazi war with fugitives, wanted for crimes committed during the Second World War in order that the government of Peron has given "political asylum" and condoned the atrocities committed by Nazi officers during the Holocaust, such as deportations, mass killings and persecution of Jews, communists, gypsies, etc.. Will be discussed in this article the participation of the Argentine government in drawing up escape routes to facilitate the entry of Nazi officials wanted in Argentina, without the consent of the government of the victorious powers in World War II, such as USA, France, UK and USSR.
          German officials as Josef Mengele, Adolf Eichmann, Josef Schwammberger Gerhard Bohne and were tried and convicted in absentia, but escaped from international authorities with the help of the government of Peron.

Word-Key: Nazism. Argentina. Escape route.



Após o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), os maiores líderes da Alemanha Nazista começaram a ser julgados pelos crimes que cometeram no que ficou conhecido mundialmente como o Tribunal de Nuremberg (1945-46).  A exceção de Adolf Hitler, líder máximo do nazismo, Joseph Goebbles, Heinrich Himmler e Robert Ley, que cometeram suicídio e Martin Bormann, vice de Hitler, até então dado como desaparecido, os principais líderes da Alemanha foram julgados e condenados, a maioria a forca. Hermann Göring, que cometeu suicídio na prisão, Joachim Von Ribbentrop, Alfred Roserberg, Hans Frank, Frick, Albert Speer, Keitel, Hudolf Hess, Jodl, Reder e Karl Dönitz foram todos julgados e condenados por seus crimes.
            Mas, e quanto aos chefes do segundo escalão, oficiais que tiveram tanta culpa quanto aos principais líderes nazistas? Onde estavam estes criminosos para que pudessem ser julgados por suas participações nas atrocidades ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial?
Após analisar alguns estudos e documentos sobre o assunto, foi constatado que o governo argentino, de fato, abrigava fugitivos nazistas em seu território. Em um documento redigido pelo serviço secreto israelita, o Mossad, na qual efetuavam o paradeiro de Adolf Eichmann e outros nazistas, datado em 03 de junho de 1960, enviado ao Ministério de Relações Exteriores da Argentina, fica claro que vários criminosos nazistas estavam se refugiando em território argentino:
A partir de la terminación de la Segunda Guerra Mundial, voluntarios judíos (...) comenzaron la búsqueda de Eichmann, el principal responsable del exterminio de los judíos de Europa. (...)
Hace algunos meses llegaron noticias  a uno de esos grupos empellados en la búsqueda, según las cuales Eichmann se ocultaría en la Argentina bajo nombre supuesto pero con ayuda otros nazis que viven en ese país. (...) Pero ellos pudieron establecer el hecho de que en la Argentina residen numerosos nazis.[2]

            Veremos agora de que maneira nazistas como Josef Mengele (médico de Auschwitz), Adolf Eichmann (organizador do Holocausto), Gerhard Bohne (chefe do programa de eutanásia de Hitler)  e Josef Schwammberger (chefe do gueto judaico de Przemysl, na Polônia) conseguiram fugir para a Argentina com a ajuda do governo do então presidente Juan Domingo Perón e seus principais colaboradores (que incluíam desde santidades do Vaticano até representantes da Cruz Vermelha), juntamente com a aproximação com o regime nazista e a organização e  preparação para as rotas de fuga desses oficiais.
No dia 04 de junho de 1943, um golpe militar liderado por um grupo denominado GOU[3] tomou o centro de Buenos Aires, com a intenção de derrubar o então presidente argentino Ramón S. Castillo, a primeira revolução no país desde a organização constitucional do século XIX, com exceção apenas do golpe militar de 1930, que derrubou do poder o então governo radicalista de Hipólito Yrigoyen, devolvendo o país às forças conservadoras.
Perón era praticamente desconhecido na Argentina, era um dos mentores do GOU, mas sua imagem estava por trás dos bastidores. Em 1943, após o golpe militar, o general Arturo Rawson, chefe do movimento, assume a presidência da Argentina, mas por apenas dois dias, sendo substituído repentinamente pelo general Pedro Pablo Ramírez, Ministro da Guerra do presidente deposto. O movimento militar foi recebido com moderada aprovação pelo povo argentino. Após um ano de mandato e de muita pressão da oposição, principalmente quando o general Ramírez foi pressionado a declarar guerra ao Eixo[4], ele foi substituído pelo vice-presidente, o general Edelmiro J. Farrell.  Perón, que até aquele momento assumiu cargos secundários, estava por trás da indicação de posse de Farrell, que o nomeou Ministro da Guerra, do Trabalho e Previdência.
 Logo após o fim da guerra, Perón assumiu de fato a presidência, bem no momento em que os criminosos nazistas estavam procurando “asilo político” longe das forças aliadas da Europa.
Ao assumir a presidência, Perón fez uma grande mudança política e social na Argentina. Era uma política agressiva, ligada aos setores trabalhistas, onde obrigou os sindicatos a seguirem as regras da Secretaria de Trabalho e Previdência, unindo-os à CGT[5], na qual a grande maioria era formada por socialistas e comunistas. Agora o líder argentino tinha total controle constitucional da Argentina, além de apoio unânime por parte do exército, já que ele assumia também o controle do GOU, grupo militar golpista.
Não se sabe muito sobre as origens do GOU, mas sabe-se que o grupo via com desconfiança a democracia e que sua tendência era extremamente nacionalista, tinha simpatia pelos países que compunham o Eixo liderado pela Alemanha. “Não eram nazistas, mas pensavam que o possível triunfo do Eixo daria à Argentina o papel eminente que sonhavam para ela no cenário mundial”. (LUNA, 1974, p.14). O próprio líder do grupo, Perón, em 1939, foi enviado à Itália fascista de Benito Mussolini, onde teve treinamento militar e aproximação com os ideais fascistas. Sua admiração pelo fascismo e pelo ditador italiano eram tamanha que Perón chegou a dizer à amigos que           “Mussolini é o maior homem deste século. Mas cometeu erros que eu não cometerei.”      (LUNA, 1974,  p. 16), exemplo disso, era a posição do governo argentino, que foi a ultima nação a decretar guerra contra a Alemanha. Para se ter uma idéia, a declaração de guerra oficial só aconteceu a apenas um mês antes do suicídio de Hitler no seu bunker[6] em Berlim. Mas segundo Perón, esta era uma estratégia para distrair a atenção dos Aliados enquanto as primeiras rotas de fuga para a Argentina começassem a serem elaboradas:
“Inquestionavelmente, perto do fim de fevereiro de 1945, a declaração de guerra da Argentina já estava decidida”, admitiu Perón em 1969. “Mantivéramos a nossa neutralidade, mas não podíamos continuar. Lembro-me que chamei alguns amigos argentinos e lhes disse: Vejam, não temos escolha senão ir à guerra (...) mas, é claro, aquilo foi apenas formalidade”. Goñi apud Luna (2004. p. 54).


 Representantes do governo argentino tiveram muitos encontros secretos com agentes nazistas. Em uma das várias reuniões secretas com oficiais do Reich[7], um enviado argentino de nome Goyneche[8], pediu uma conferência com Adolf Hitler e Ribbentrop (Ministro das Relações Exteriores), para pedir além de apoio para o golpe de 1943, uma aproximação maior com o regime nazista, na qual Goyneche levantou a hipótese de enviar jovens argentinos para aprenderam “os princípios fascistas e nacional-socialistas” (GOÑI, 2004, p. 39).
Outro grande encontro ocorrido em maio de 1943, desta vez com o chefe do SD[9] nazista Walter Schellenberg, foi aprovado:
Um acordo de colaboração mútua que isentava de prisão os agentes nazistas na Argentina, camuflava-lhes a identidade apresentando-os como membro do serviço secreto argentino, permitia o uso da mala diplomática argentina para o transporte de “material secreto” entre Buenos Aires e Berlim e até previa um sistema de alarme para o caso de uma crise de gabinete pôr em risco agentes alemães. (GOÑI, 2004, p.47).

Ao fazer esta aproximação com os regimes totalitários europeus, Perón visava uma possível liderança na América do Sul. Segundo documentos secretos do GOU datados do dia 3 de maio de 1943, fornecidos pela ONU[10]·, Perón escrevera que:
A luta de Hitler, na paz e na guerra, será nosso guia agora (...). Fazer alianças será o primeiro passo. Temos o Paraguai; temos a Bolívia e o Chile. Com Argentina, Paraguai, Bolívia e Chile será fácil pressionar o Uruguai. Depois os cinco países unidos facilmente convencerão o Brasil a aderir, devido ao seu tipo de governo[11] e ao seu grande número de alemães. Com a queda do Brasil, o continente americano será nosso. (COSTA, 2004, p. 130).

Fica clara a intenção do governo argentino em alcançar o domínio das Américas, mas segundo Perón, isso só seria possível, com a ajuda e influência de um forte aliado europeu, no caso a Alemanha Nazista. Com as relações entre alemães e argentinos se estreitando ainda mais, surgia outra questão a ser considerada: o anti-semitismo levado ao extremo, praticado pelos nazistas.
Em 20 de janeiro de 1942, o “problema” dos judeus na Alemanha, tivera seu desfecho final. Para resolver esta questão, Hitler deixou a cargo de Reinhard Heydrich, chefe do Escritório de Segurança do Reich, resolver esta situação o quanto antes. Então ficara decidido que os judeus seriam retirados dos guetos e levados a campos de concentração para serem exterminados, no que ficou conhecido como a “Solução Final”. O homem por trás da organização dos campos foi o tenente-coronel das SS Adolf Eichmann, criando o Escritório de Assuntos Judaicos.
Na Argentina, o anti-semitismo era bastante difundido durante as décadas de 30 e 40, prova disso é uma publicação anti-semita denominada El Judio, publicada em 1936 pelo padre argentino Meinvielle, aonde o padre descreveu sucintamente que “nós cristãos precisamos amar os judeus em obediência ao preceito de Cristo de que devemos amar até mesmo os nossos inimigos”. Goñi apud Meinvielle (2004, p.57).  Em outra citação, o autor levanta a questão da miscigenação das raças, tema tão abordado pelos nazistas, e novamente o autor faz uma critica preconceituosa aos judeus, onde dizia que os pogroms[12] de Hitler eram um erro e:
Lo que se necesita para aprobar leyes especiales que tuvo en cuenta el peligro teológica de que la raza (...). No necesitan ser eliminados en lugares donde la gente vive entre los cristianos, cómo quieren que el anti-semita, ni es necesario asegurar la igualdad de derechos, cualquiera que sea el liberalismo. (MEINVILLE, 1936, p.76).  

Esta obra de Meinvielle fez tanto sucesso na Argentina que se tornou um best-seller, tornando-se influente até meados da década de 1960, sendo reeditado sem nenhuma alteração.
Quando a Solução Final entrou em operação, milhares de ciganos, comunistas e principalmente judeus fugiram para diversas partes do mundo, tentando escapar da perseguição nazista. Ao tomar conhecimento da imigração judaica, o governo argentino tomou medidas para que os judeus, provenientes da Europa, não conseguissem autorização para entrar no país, cancelando todos os “vistos de entrada”, às vésperas do Holocausto de Hitler.
 Perón se tornou o articulador mais importante do lado argentino para as fugas, do lado alemão esse elo era Carlos Fuldner[13], agente secreto de Himmler. Depois que fugiu da Alemanha, em 1947, criou secretamente um escritório de informação, para facilitar a fuga de centenas de nazistas, entre eles Eichmann, Mengele, Bohne e Schwammberger. Tinha conexões na Espanha, Itália, Suíça, Bélgica e Eslováquia. Todos os principais fugitivos procurados passaram por suas rotas de fuga e somente conseguiram com o seu apoio e indicação.
Outro grande colaborador com esses criminosos foi a Igreja Católica, tanto a Igreja Argentina quanto o Vaticano em Roma tiveram influência decisiva para as fugas. Vários nazistas tiveram êxito em sua fuga graças à interseção de santidades como o cardeal francês Eugene Tisserant em Roma e o cardeal argentino Antonio Caggiano. Caggiano era chefe da ordem Ação Católica que apoiava o Vaticano, de cunho nacionalista e anticomunista, na qual tinha vários de seus membros ocupando postos importantes durante a ditadura militar do GOU na Argentina de 1943 a 1946. Em 1960, o cardeal se manifestou contra a captura de Adolf Eichmann por Israel: Caggiano foi muito claro sobre suas simpatias quando disse em uma entrevista a um jornal local: “Nosso dever de cristãos é perdoá-lo pelo que fez” (LUNA, 1974, p. 120.). 
Já o cardeal Tisserant “era tão descaradamente anticomunista que achava que os ‘vermelhos’ não mereciam enterro cristão”. (LUNA, 1974, p.119). A Santidade do Vaticano era o responsável direto para passar informações sobre a situação de nazistas depois da guerra para o papa Pio XII.
A Igreja Católica estava tão envolvida nos acontecimentos que em um nível mais alto, discutia-se secretamente um acordo de imigração entre papa e o governo de Perón. Em junho de 1946 o secretario de Estado do Vaticano em exercício, cardeal Giovanni Battista Montini (futuro papa Paulo VI) tratou do assunto com o embaixador argentino no Vaticano. Montini manifestou o interesse do papa Pio XII em arranjar a emigração:
    Não apenas de italianos para a Argentina. O papa considerava a Argentina o único país onde emigrantes poderiam encontrar             uma solução satisfatória para suas necessidades e queria que especialistas do Vaticano      entrassem em contato com especialistas argentinos para preparar um plano de ação[14].
           
O embaixador argentino entendeu que o interesse do papa estendia-se aos homens confinados nos campos de prisioneiros de guerra da Itália, ou seja, oficiais nazistas e informou imediatamente ao governo argentino sobre a proposta da Santa Santidade.
            Outro grande colaborador dos nazistas foi a Cruz Vermelha, responsável pela emissão de passaportes para criminosos nazistas fugitivos. O método era simples: uma carta de referência era enviada do Departamento de Informação argentino com um pseudônimo qualquer para o setor de Imigração, em seguida a Cruz Vermelha autorizava o consulado argentino a ceder o visto de entrada, o cônsul dava ao imigrante um “certificado de identificação” que servia para obter uma Cédula de Identidad na chegada a Buenos Aires. Para facilitar esta comunicação entre Argentina e a Cruz Vermelha, Perón criou a DAIE (Delegação Argentina de Imigração na Europa) com status semi-diplomático, com escritórios em várias partes da Europa. Iremos agora tratar das fugas de criminosos nazistas individualmente.
            Adolf Eichmann era responsável pelo IV Escritório da Central de Segurança do Reich, na divisão de “Questões Judaicas”, ele era encarregado de assinar todas as ordens de deportações para os campos de concentração, juntamente com Himmler e Müller.[15] Segundo depoimento de ex-oficiais nazistas, ele era a pessoa mais informada sobre o número aproximado de judeus mortos durante o regime nazista:
...Cerca de seis milhões de judeus tinham morrido até então, quatro milhões em campos de extermínio e os dois milhões restantes abatidos à bala por unidades de operação e por outras causas, como doenças, etc.[16]

            Após o fim da guerra, Eichmann conseguiu fugir da Alemanha com a ajuda da Cruz Vermelha, no escritório em Gênova, no dia 1° de junho de 1948, com passaporte assinado pelo frei Edorado Dömotër, com o nome falso de Riccardo Klement, com uma carteira de identidade emitida no dia 2 de junho de 1948.[17]
            Posteriormente o religioso confirmou sua participação no caso de Eichmann, relatando em um artigo escrito em 1961:
Sou um padre, não um policial e minha missão como cristão naqueles anos difíceis era salvar qualquer um que pudesse ser salvo, e dar às pessoas meios para deixar Roma, onde correriam riscos se ficassem.[18]

            Com o passaporte expedido, sob o dossiê número 231489/48, o ex-oficial partiu rumo ao consulado argentino, onde em 14 de junho, seu passaporte foi carimbado com um visto permanente, chegando a Buenos Aires no dia 14 de julho de 1950. Eichmann viveu na Argentina durante 10 anos, até ser capturado pelo serviço secreto israelense, o Mossad, no dia 11 de maio de 1960 e levado para Jerusalém. Segue-se um trecho da carta escrita por Eichmann logo após a sua captura:            
"Yo, el abajo firmante, Adolf Eichmann, declaro por ml propia  voluntad: puesto que mi verdadera identidad es conocida comprendo que no tiene sentido tratar de seguir ocultándome de la justicia. Declaro que estoy dispuesto a viajar a Israel para presentarme allí ante un tribunal competente. Entiendo que recibirá ayuda jurídica y me empeñará en dar expresión sin adornos a los hechos de mis últimos años de servicio en Alemania, a finde que sea trasmitido a las generaciones venideras un cuadro verdadero de los hechos. Hago esta declaración por mi propia voluntad. No se me prometió nada, ni tampoco se me amenazó. Quiero lograr por fin mi tranquilidad interior. Puesto que no puedo recordar ya todos los detalles y también confundo algunas cosas, pido se me ayude poniendo a mi disposición documentos y testimonios en mi empeño da encontrar Ia verdad. Firmado: Adolf Eichmann, Buenos Aires, mayo 1960.[19]"

            Eichmann foi julgado e condenado à morte na forca, foi executado no dia 31 de maio de 1962. Suas ultimas palavras foram: “Viva a Alemanha, viva a Argentina, viva a Áustria. Nunca hei de esquecê-las.”

            Josef Mengele fora capturado pelo exército americano em junho de 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial na Baviera, mas foi solto em setembro, pois conseguiu dos aliados um documento de soltura em nome de Fritz Ulman, que ele posteriormente alterou para Fritz Hollman. Josef Mengele:
Foi o chefe do serviço médico do campo de concentração de Auschwitz (Polônia) entre 1943 e 1945, Mengele usou prisioneiros como cobaias em experimentos pseudocientíficos, com os quais buscava comprovar suas teses sobre a superioridade ariana. Suas cruéis práticas médicas lhe renderam a alcunha de “Anjo da Morte”[20].

            Viveu na Alemanha trabalhando em uma fazenda em Mangolding, na Baviera alemã, até 1949, quando recebeu autorização do consulado argentino, com a ajuda do frei Edorado Dömotër, o mesmo que ajudou Eichmann a fugir.
            Mengele conseguiu sua Carta d` Identità sob o número 114, tornando-se Helmut Gregor em 1948, embarcando para a Argentina, passando por Áustria e Itália. Antes de chegar ao seu destino final, o médico de Auschwitz passou no escritório da DAIE, com o auxilio de um contato da Cruz Vermelha, conhecido apenas por Kurt, onde validou seu passaporte.
            O ex-médico nazista viveu na Argentina durante dez anos, mudando-se para o Paraguai (1959), onde foi reconhecido e em seguida foge para o Brasil (1960) com uma nova identidade, Wolfgang Gerhard. Durante o período em que viveu em território argentino, Mengele vendeu máquinas agrícolas. O próprio presidente argentino, futuramente comentou sobre Mengele:
Em seus anos de exílio em Madri, Perón, admitiu prontamente   ter tido relações pessoais com criminosos nazistas fugitivos, a qualquer um que tivesse a curiosidade de lhe perguntar. Na manhã de 9 de setembro de 1970, ele contou ao escritor argentino Tomás Eloy Martinez que, quando era presidente nos anos 1950, um “especialista” (alemão) em genética visitava-o em sua residência de fim de semana em Olivos, entretendo-o com histórias de incríveis descobertas cientificas. (...). O escritor perguntou se Perón lembrava o nome do especialista. (...). Se não me engano o nome dele era Gregor. Isso mesmo doutor Gregor (...). Na investigação que se seguiu sobre os anos de Mengele depois da guerra, ficou evidente que Perón tinha caçoado de Martinez com uma informação genuína, mesmo que naquela época fosse inverificável. A Cruz Vermelha foi forçada a admitir que emitira um passaporte falso para Mengele em nome de Helmut Gregor. (depois, no Brasil, Mengele utilizou o nome falso de Wolfgang Gerhard). (GOÑI, 2004, p.293).

            Com o fim da Ditadura Militar argentina, Mengele foi forçado a sair da Argentina, já que o regime que encobria os nazistas saiu de cena do cenário político, além disso, Eichmann foi capturado pelo Mossad. Temendo ser descoberto fugiu para o Paraguai, onde supostamente trabalhou em uma clinica clandestina de abortos. Descoberto pelas autoridades subornou os policiais e fugiu. O médico então se refugiou no Brasil, residindo em São Paulo, onde morreu afogado quando nadava na praia de Bertioga, em 7 de fevereiro de 1979.

            Gerhard Bohne era doutor em Direito, foi chefe do programa de eutanásia de Hitler, oficial das SS, era responsável pela “esterilização” dos judeus. Quando Hitler decidiu por em prática a “Solução Final”, Bohne se tornou chefe do Aktion T4[21]também chefiou o RAG (Grupo de Trabalho de Sanatórios e Asilos do Reich).
Em 1941, os programas de extermínio na Alemanha foram cancelados e transferidos para os campos de concentração espalhados pela Europa. Neste período, Bohne ficou em segundo plano, que o fez entregar um relatório na qual:
Acusava os superiores do RAG de comércio irregular de ouro, fraude, corrupção e mercado negro e que (...) este grupo de trabalho só era mantido para enriquecer os líderes das SS e o Partido Nazista (COSTA, 2004, p.171.).

            Tendo em vista que, para os chefes nazistas, Bohne era incapaz de guardar segredo, foi expulso das SS e do Partido Nazista, mas acabou sendo transferido para o campo de batalha, onde foi capturado pelas tropas americanas. Mas, como até aquele momento, seus crimes ainda não tinham sido divulgados, o doutor foi solto e passou a viver em Düsseldorf. Quando seus crimes foram divulgados para o mundo, o doutor fugiu para a Argentina, com a ajuda do padre Dragnovic e da Cruz Vermelha. Bohne então embarcou rumo à Roma, de onde partiu para o território argentino, “no transatlântico italiano Ana C, na primeira classe, chegando em 29 de janeiro de 1949”. (Arquivos da Cruz Vermelha, DN-R311, lista de passageiros).  O ex-nazista só teve o trabalho de mudar a foto no passaporte e o seu sobrenome para “Bhone”.
            Bohne foi um dos poucos criminosos nazistas a assumir abertamente que: “recebeu dinheiro e documentos de identidade dos assessores de Perón” (GOÑI, 2004, p. 281.). Em 1959, devido à captura de Eichmann por Israel, e a recusa de extradição de Mengele, Bohne se tornou o primeiro criminoso de guerra nazista entregue pela Argentina à Alemanha. Mas devido aos seus problemas de saúde, foi declarado incapacitado de suportar um julgamento, passando a viver como pensionista do Estado alemão durante dez anos, quando faleceu em Frankfurt.

            Josef Schwammberger ingressou nas SS em 1939, na Legião Austríaca, em 1942 foi enviado ao campo de trabalhos forçados de Rozwadow, na Áustria. Em 1943 foi encarregado do gueto judaico de Przemysl, na Polônia, onde “percorria as ruas com seu chicote e atirava em qualquer um que cruzava o seu caminho em companhia de seu pastor alemão Prinz” (GOÑI, 2004, p.290.). Em 1944, Schwammberger fora encarregado de um terceiro campo de trabalhos forçados, o gueto de Mielec. Foi preso no final de guerra em 1945, pela policia austríaca e transferido para um campo francês. Não se sabe ao certo, mas em 1948 o oficial das SS fugiu para a Argentina sem documentos falsos, apenas com a ajuda do ex-capitão das SS Carlos Fuldner, chegando à Argentina em “19 de março de 1949, dizendo que nascera em Bolsano na Itália, e que sua profissão era mecânico” (Departamento de Imigração de Buenos Aires, pasta número 201430/48).
            O paradeiro de Schwammberger em território argentino é uma incógnita, já que seus documentos foram todos queimados por ordem da casa Rosada (sede do governo argentino) em 1996, como segue a declaração de Goñi:
Mais de cinqüenta anos depois, estaria o governo argentino ciente do fato o bastante para ordenar a destruição de provas! Só uma fogueira acesa em 1996 nos impede de documentar mais completamente essas correlações. (GOÑI, 2004, p. 292.).

         Considerações finais

Perto do fim da vida, Perón explicou em longas memórias ditadas privadamente para um gravador, os motivos que o levaram a salvar criminosos de guerra nazistas. Nessas recordações solitárias o idoso general confidenciou às fitas cassetes que o julgamento de altos oficiais nazistas em Nurembergue em 1945 ofendera seu monolítico senso de honra militar e que ele resolvera salvar da justiça aliada todos os que pudesse. "Em Nurembergue, nessa época, ocorria algo que eu pessoalmente considerava uma desgraça e uma lição lamentável para o futuro da humanidade", relatou com sua voz rouca. "Convenci- me de que o povo argentino também considerava o julgamento de Nurembergue uma lástima, indigno dos vencedores, que se comportaram como se não fossem vitoriosos. Agora percebemos que eles [os Aliados] mereciam perder a guerra. Em meu governo, sempre falei contra Nurembergue, um ultraje que a história não perdoará!" (GOÑI, 2004, p. 125).

            Como observamos nesta declaração de Perón, um dos principais responsáveis pela fuga de criminosos nazistas para solo argentino, o ex-ditador não se arrependera de sua participação nas fugas e de sua cumplicidade com os crimes cometidos por esses nazistas, já que cedera “asilo político” a estes oficiais procurados pela justiça internacional de guerra. Além do mais, a imigração de judeus para a Argentina já era algo que estava nos planos de oficiais do exército antes mesmo do golpe militar e após a derrota dos países que compunham o Eixo e o fim da guerra na Europa:
 Em 1946 os generais e Perón criaram um Instituto Étnico Nacional para impedir "a formação de comunidades ou minorias estrangeiras". Esse instituto tinha ambições de longo alcance. Vislumbrava uma remodelação "científica" e "gradual" da população da Argentina no período de quatro gerações. Incluía também o desenho do "mapa humano da Argentina" e de um segundo mapa "secreto" com as "características antropológicas militares". Esse projeto racial de estilo nazista destinava-se a "orientar o país sem interrupção durante séculos" e portanto só poderia ser confiado às forças armadas, não aos políticos. No começo de 1947 Perón e os generais começaram a discutir medidas específicas para frustrar as atividades de grupos "sionistas" e a chegada de refugiados judeus que tentassem entrar na Argentina através de países vizinhos como Brasil, Uruguai, Peru e Chile. ( Dossiê  da Comissão de Potencial Humano, AGN,STP, caixa 547, reunião de 12 de dezembro de 1947, in  GOÑI, 2004., p. 182.).
                                      
 A Argentina estava em um período conturbado, já que aconteceram dois  golpes de Estado entre 1930 e 1946, o anti-semitismo era algo claro no pais latino-americano, como vimos nas declarações de Meinville, e a guerra na Europa colocava a Argentina em uma situação contraditória, já que os Estados Unidos havia entrado na guerra e pressionava os países sul-americanos a declarar guerra contra o Eixo. A Argentina acabara de entrar em uma ditadura que se assemelhava ao nazi-fascismo europeu e, como já vimos Perón era simpatizante do regime. O fato é que o governo de Perón ajudou criminosos nazistas a se refugiarem em território argentino, sendo cúmplices de seus crimes de guerra e culpados, por manterem em seu território estes oficiais, ao invés de entregarem as autoridades internacionais.
Em junho de 2000, o então presidente da Argentina Fernando de La Rúa, pediu desculpas ao mundo pelo acolhimento de nazistas durante o regime de Perón:
"Hoje, diante de todo o mundo, quero expressar meu mais sincero pesar e dizer que lamento que isso (o abrigo que a Argentina deu a nazistas) tenha acontecido", disse o líder argentino, num ato de contrição raro para um dirigente político da América Latina, antes de ser recebido pelo presidente Bill Clinton. No fim da tarde, ele participou de uma cerimônia no Museu do Holocausto, onde depositou uma coroa de flores em honra às vítimas do nazismo. Embora o antecessor de De la Rúa, o peronista Carlos Menem, não tenha medido esforços para agradar aos EUA nos seus mais de dez anos no poder, deixou passar várias oportunidades para renegar o passado da Argentina de santuário de criminosos de guerra.( Jornal O Estado de São Paulo – 14 de junho , 2000.).

Referências Bibliográficas

Artigo de Wiesenthal “Qui è rinchiuso Eichmann”, LE Europeo.

Comitê Internacional da Cruz Vermelha (ICRC).

COSTA, Sérgio Corrêa da. Crônicas de uma guerra secreta: Nazismo na Argentina. Rio de Janeiro : Ed. Record, 2004.

Departamento de Imigração de Buenos Aires.
GOÑI, Uki. A verdadeira Odessa:O contrabando de nazistas para a Argentina de Perón. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2004.
MICHAEL, Andréa (2004), “Josef Mengele, os arquivos secretos do Anjo da Morte”, Folha de São Paulo, 21 de novembro, pp. 7.

LUNA, Félix. Argentina: de Perón a Lanusse. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1974.
MEINVILE, Julio. El Judío. Buenos Aires, Ed. Antidoto, 1936.
Ministerio de Relaciones Exteriores del Argentina.



[1] Pós graduando em História, Sociedade e Cultura pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, graduação em História pela Universidade Bandeirante de São Paulo. Professor da rede Pública do Estado de São Paulo de História e Geografia para o ensino Fundamental e Médio.
[2]  Retirado do caso Eichmann in: Ministerio de Relaciones Exteriores del Argentina M.R.E. 966/86 de 3 de junho de 1960.
[3] Associação secreta de coronéis chefiados por Perón que governaram a Argentina entre 1943 e 1946. Supõe-se que as iniciais significam Grupo de Ordem e Unidade, ou Grupo de Oficiais Unidos.
[4] Acordo político e militar de ajuda mútua, formado pela Alemanha, Itália e Japão durante a Segunda Guerra Mundial, que tinham intenção de unir as forças militares para combater os países aliados na guerra.
[5] Central Geral dos Trabalhadores.
[6] Bunker (abrigo subterrâneo) são estruturas de defesa usadas intensivamente durante períodos de guerra.
[7] Reich (do alemão, reinado) é o nome que se dá ao período do governo que se estabeleceu na Alemanha entre 1933 e 1945, enquanto era liderada por Adolf Hitler e o Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP).
[8] Juan Carlos Goyneche: Nacionalista Católico argentino. Era agente especial de Perón, durante a guerra encontrou-se com Ribbentrop, Himmler, Goebbles e, ao que tudo indica o próprio Hitler, transmitindo mensagens secretas da Argentina para a Alemanha.
[9] Sicherheitsdienst, a Divisão de Inteligência Exterior das SS (Schutzstaffel), esquadrão de proteção nazista, que junto com a Gestapo (policia secreta) e a Wehrmacht (exército) compunham a elite de segurança nazista. 
[10] Organização das Nações Unidas, criada em 26 de junho de 1945, na conferência de São Francisco (EUA).
[11] O Brasil estava sendo governado desde 1930 por Getúlio Vargas, que em 1937 decretou o Estado Novo, onde todos os partidos políticos foram dissolvidos e o país estava em uma ditadura na qual se assemelhava, em partes, aos fascismos europeus.
[12] Pogrom (do russo погром) é um ataque violento maciço a pessoas, com a destruição simultânea do seu ambiente (casas, negócios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido usado para denominar atos em massa de violência, espontânea ou premeditada, contra judeus e outras minorias étnicas da Europa.
[13] Carlos Fuldner: ex-capitão das SS e agente especial do serviço secreto alemão. Após o fim da guerra trabalhou diretamente para o presidente argentino, encarregado de organizar a rota de fuga para criminosos nazistas. Era o principal eixo de ligação entre nazistas e argentinos.
[14] Carta secreta n° 144 do embaixador argentino no Vaticano para o ministro do Exterior Juan Bramuglia, 13 de junho de 1946, liberada por CEANA.
[15]Himmler era chefe das SS e da Gestapo (policia política) e Müller Chefe do Gabinete de Segurança do Reich.
[16] Testemunho de Hoettl (ex-oficial nazista) nos julgamentos de Nuremberg, 1945; também em seu testemunho de junho de 1961 no julgamento de Eichmann em Jerusalém.
[17] Requerimento de passaporte da Cruz Vermelha para Eichmann, 100940, ICRC, Genebra.
[18]Artigo de Wiesenthal “Qui è rinchiuso Eichmann”, LE Europeo, 12 de março de 1961.
[19] Retirado do caso Eichmann in: Ministerio de Relaciones Exteriores del Argentina M.R.E. 893/2 de 22 de setembro de 1967.
[20] Michael, Andréa (2004), “Josef Mengele, os arquivos secretos do Anjo da Morte”, Folha de São Paulo, 21 de novembro, pp. 7.
[21]Tiegarten número 4. Divisão Médica responsável pelo extermínio de pessoas que sofriam de doenças incuráveis.

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